Domingo com o livro azul

 Já era um hábito. Domingo de tarde era o seu momento de leitura. Sentava em seu sofá com uma mantinha, porque depois de uma certa idade sempre se sente um friozinho, e lia o livro escolhido.

Mas aquele domingo tinha algo diferente. Não sabia se era o calorzinho que dispensava a manta ou tantos pássaros cantando lá fora ou a simples coincidência de o céu e a capa do livro terem o mesmo tom de azul. Naquele domingo, a leitura estava sendo exigente e não queria acontecer ali no canto do sofá.

Quando a leitura exige, a gente obedece! Foi-se para a praça. Sem preguiça, sem desculpas. Eram apenas algumas quadras de casa. Encontrou um banco bem posicionado em uma sombra, sem vento e longe dos balanços.

O livro de capa azul estava além da metade. Aquele momento que estamos loucos para saber o final, mas, ao mesmo tempo, não queremos que acabe. Naquele momento em que é impossível tirar os olhos das páginas. Mas algo estava desconfortável. Não era o banco, nem o barulho dos balanços, nem a temperatura. Era um pensamento. Será que alguém reparou que eu tô aqui sozinho? Será que estão com pena de mim? Um velho sozinho em uma praça com um livro é uma cena meio triste, não?

Fazer o quê? Voltar? Parar de ler? Não! Como na maioria das vezes, o livro é um escape e ele escapou para aquelas páginas de capa azul e parou de pensar no desconforto.

Eu estava sentada no chão em uma colcha de retalhos. Preocupada se alguém estava reparando nas dobrinhas da minha barriga acentuadas pela posição "indiozinho". Pensei que deveria ter levado uma cadeira ou não ter colocado aquela blusa azul que já estava ficando justa.

Azar! Quem não tem dobrinhas na barriga?! Tentei me concentrar novamente no livro que estava lendo, mas percebi que, do outro lado da praça, tinha um senhor lendo um livro de capa azul, azul igual à minha blusa e ao céu.

Daí sim a concentração foi embora. Queria ler o título do livro, mas não dava pa
ra ver. Quem lê em público deve deixar o título à mostra para os curiosos! Queria saber que livro era. Será que eu já li? Podíamos trocar opiniões sobre o livro, falar sobre a escritora e trocar dicas de leitura.

Eu e minhas dobrinhas na barriga nem nos mexemos do lugar. Aquele senhor não queria ser incomodado, por isso estava ali sozinho. Quer dizer, sozinho não, estava com um livro. O que ele iria pensar de mim? Pobrezinha! Não tem ninguém para conversar e vem atrapalhar a minha leitura.

Fiquei na minha colcha de retalhos e ele no banco. Dividimos apenas a blusa, o livro e o céu do mesmo tom de azul.

Comentários

Amei! Eu m senti praça, dizendo p ela ir conversar com o senhor do livro de capa azul😍
Carol disse…
😍😍